domingo, 23 de julho de 2023

Anabela Oliveira e a escola de música do meu bairro

 

“A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia.” É uma frase atribuída a um dos pais fundadores da música dita clássica, Beethoven. É também a primeira de várias citações que percorrem o site da escola de música DámSom, versão mais recente da escola que a Anabela Oliveira fundou em 1979, no bairro do Montebelo, onde cresci, em Setúbal.

Fui aluno da escola da Anabela (era assim que lhe chamávamos) de 1983 a 1994, estudando órgão mais de 10 anos, adicionando-lhe a aprendizagem do acordeão durante quase metade desse tempo.

E nunca mais me desliguei da Anabela, até hoje, 40 anos depois. Na escola da Anabela, encontrei o complemento certo das outras escolas que frequentei naquele tempo; ali havia a aprendizagem de instrumentos musicais, de dinâmicas artísticas de conjunto, de conhecimento teórico sobre a história da música e a sua técnica. Tão ou mais importante que tudo isso, ali houve sempre amizade, apoio e muito boa disposição. Ali fiz amigos para a vida, gente que seguiu caminhos aparentemente diversos, mas que acabou por ficar próxima, com a música e a escola da Anabela como elos simples e fortes, muito fortes.

A Anabela enfrenta um problema muito grave de visão que, desde há uns anos, lhe vem alterando, de forma significativa, muitas das suas rotinas. Mas a sua escola, essa, mantém-se, com ela própria ao leme, de portas abertas, evoluindo, com mais ofertas de aprendizagem, servindo a comunidade, influenciando-a, fazendo-a um sítio melhor, ilustrando bem a ideia de Nietzsche de que “… sem a música, a vida seria um erro”.

A Anabela cedo percebeu da importância de uma equipa. Teve, ela, o privilégio de encontrar, pouco depois da abertura da escola, um aluno brilhante e um ser humano único, o Nuno Alves Gralheira, que pouco tempo depois decidiria orientar toda a sua vida em torno da música e, em particular, do acordeão, instrumento que, na sua juventude, o levou a disputar galardões de nível mundial. O Nuno, sim, o Nuno da Anabela, seu braço direito de há muitos anos, a quem tanto, mas tanto, devemos. Como também devemos à Florbela, outra aluna destacada daquela vaga única dos anos 80, que, mais recentemente, ajustou a sua vida profissional para apoiar a Anabela nalgumas das suas exigentes frentes de professora e diretora da escola. Gente inspiradora, esta, amigos extraordinários!

A Anabela e o Nuno têm desafiado um grupo de antigos alunos, em que me insiro, para continuar a tocar num agrupamento de acordeões de vez em quando, preparando umas peças para apresentar nas audições anuais. Tem-se revelado uma fórmula fantástica de preservação da amizade, da boa disposição, que atrás referi… e acaba por ser também um fantástico elixir da juventude!

Ontem decorreu mais uma audição e lá estivemos, a saborear as coisas boas da vida.


Beethoven, Mozart, Bach, mas também o Wagner e o senhor Matono (o “senhor acordeão” de Portugal), de quem tocámos peças bonitas ontem, diriam “dever cumprido” quando veem um projeto como o da Anabela funcionar assim.

Obrigado, Anabela.